“Sorella d’omertà”: O papel das mulheres nas organizações criminosas da Máfia

O papel das mulheres nas organizações criminosas da Máfia sempre foi caracterizado por certa ambiguidade.  

A presença feminina na organização baseia-se tanto numa exclusão formal quanto em uma participação substancial na vida do grupo. A exclusão formal das mulheres está incorporada na proibição de participar da organização mafiosa por meio de um ritual de iniciação. 

Essa regra tem encontrado, no entanto, exceções na história da Máfia. Emergiram a partir de atos de alguns processos datados do início do século XX. Neles, aparecem casos de mulheres afiladas às organizações. Surge assim, uma estruturação formal do envolvimento das mulheres na Máfia. 

As mulheres foram admitidas na organização usando as “roupas de um homem”. Há casos em que se encontra um cargo formal específico para as mulheres, as chamadas “sorelle d’omertà” (irmãs do silêncio), exercido por mulheres solteiras.  

Este título é concedido às mulheres ligadas de alguma forma ao Homem de Honra,, mas isso acontece muito raramente. As mulheres não fazem um juramento de fidelidade à organização, porque o seu primeiro dever é ser fiel ao seu marido. 

O papel social das mulheres na Máfia

Por um lado, as mulheres tentam proteger de todas as maneiras seus filhos e maridos, temendo por sua segurança. Por outro, são elas mesmas que vêm a desencadear brigas e vingança. 

Outros aspectos da Máfia ligados as mulheres são: 

• Os papéis normalmente atribuídos às mulheres são aqueles de custódia e ocultação de armas, de segurança externa, a aquisição de informação e de transmissão de mensagens. Podem parecer tarefas aparentemente simples, mas são realmente de extrema importância para a organização; 
• As mulheres, dentro das organizações mafiosas, têm sempre exercido tarefas tradicionais na esfera privada. Essas tarefas se relacionam com a educação dos filhos e filhas, a incitação à vingança, a garantia da reputação masculina e os casamentos combinados; 
• Além dessas tarefas tradicionais, as mulheres desempenham também papéis importantes no âmbito criminal, que se materializam sempre predominantemente nas funções de suporte.

1) Funções ativas

Entre as funções ativas exercidas pelas mulheres dentro da organização mafiosa, está incluída a transmissão do código cultural mafioso e, como dito, a incitação à vingança. 

– Transmissão do código cultural mafioso 

• A transmissão do código cultural mafioso resulta ser de vital importância e um fardo imprescindível que caberá ao universo feminino. Na ‘Ndrangheta, como em Cosa Nostra, se recorre símbolo da Família para definir papéis externos para seu núcleo biológico. ; 
• A transmissão do código cultural mafioso é delegada especialmente a sua mãe. A figura materna tem função central no processo educativo dos seus filhos. Ela tem a tarefa de inculcar aos filhos determinados valores indicados por ela como “justos” e, muitas vezes, incompatíveis aos princípios comuns na sociedade civil; 
• Os principais valores são a omertà, a vingança, o desprezo do poder público e a diferença entre os sexos. A pesada tarefa de formar novas personalidades da Máfia é cabível apenas à mulher. 

– Incitação à vingança 

• A segunda função ativa a ser executada pelas mulheres dentro das organizações mafiosas é a incitação à vingança. No interior da ´Ndrangheta, pode-se falar de uma “pedagogia della vendetta” (pedagogia da vingança), termo utilizado pelo sociólogo Renate Siebert para indicar a contínua incitação contra os filhos para vingar a honra do pai assassinado. A vingança é um princípio claro ensinado no interior da organização. As mulheres são as guardiãs da honra ofendida de seus homens. 

2) Funções passivas

Entre as funções passivas exercidas pelas mulheres na organização mafiosa existe a de garantir a reputação masculina e a de ser uma moeda de troca nas políticas matrimoniais. A saber: 

– Defender a reputação masculina 

• A mulher deve defender a reputação do homem (que garante aos homens de ser formalmente afiliados à Máfia) por meio de sua respeitabilidade e integridade. As mulheres eram, portanto, obrigadas a ter um comportamento sexual “correto”, ou mais precisamente, a virgindade antes do casamento e, em seguida, a castidade; 
• Para evitar a perda de honra, os homens deveriam, portanto, exercer um rigoroso controle sobre suas mulheres, que se estendia através dos olhos do clã, caso o marido fosse preso; 
• Se o homem se mostra capaz de manter o controle total sobre a sua mulher, aos olhos dos outros, será capaz de manter o controle até mesmo de seu território. O pudor feminino representava a maneira de manter intacta a honra masculina. 

– Moeda de troca nas uniões políticas 

• Outra grande função passiva ligada ao papel tradicional da figura feminina é aquela de ser moeda de troca nas uniões políticas. A mulher resulta ainda se submeter à vontade da Família. Os casamentos arranjados com objetivos estratégicos servem para expandir a aliança ou para formar paz depois de anos de disputas. Combinar casamentos contribuía, assim, para reduzir a possibilidade de disputas entre os clãs. 

O papel criminoso das mulheres da Máfia hoje

O papel criminoso das mulheres emerge ao longo dos anos 1970 e 1980 como resultado de dois importantes processos de transformação: endógeno às associações mafiosas, ligadas tanto ao tipo de negócio ilegal, quanto à estrutura interna; outro exógeno, junto às mudanças ocorridas na sociedade em referência à condição da mulher a respeito à educação,  ao emprego e costumes sociais. 

Um grande fator de mudança foi a entrada das organizações criminosas no tráfico de drogas. Estamos diante de uma nova geração de mulheres mais jovens e instruídas, que são adequadas à aplicação mafiosa em nome da oferta. 

Existem três áreas-chave onde as mulheres são postas dentro do crime: tráfico de drogas, o setor econômico financeiro e as atividades de ligação e de gestão do poder. 

– Narcotráfico 

• No setor das drogas, as mulheres foram recrutadas como correios e “spacciatrici”, ou seja, traficantes. O transporte de drogas é um trabalho particularmente adequado para uma mulher, porque podem facilmente esconder quantidades de drogas, simulando uma gravidez ou o arredondamento dos quadris e seios; 
• As mulheres também são consideradas mais confiáveis e menos controladas pela polícia. O fator de insuspeita é primordial na contratação de figuras femininas. As mulheres envolvidas no tráfico de drogas são as que vêm de contextos de marginalização social, que têm um grande número de filhos para sustentar e que estão lutando para chegar com dinheiro ao final do mês; 
• Essas mulheres aceitam entrar no tráfico tanto para sustentar a sua própria Família quanto para satisfazer o desejo de alcançar objetivos consumistas propostos pela sociedade. 

– Setor econômico–financeiro 

• As mulheres começam a entrar no coração do tráfico da organização graças a sua preparação e os seus estudos. Muitas vezes resultam mais confiáveis e competentes, se comparadas aos seus homólogos masculinos; 
• O setor onde se encontra o maior número de mulheres é o econômico-financeiro. Tal setor é particularmente adequado para as mulheres, uma vez que não requer o uso de violência física. As mulheres são usadas como a cara limpa da organização, servem como uma figura decorativa, mas também administram empresas e investem o dinheiro; 
• As mulheres não têm vantagens particulares com seu desempenho no setor econômico-financeiro e muito menos ganham independência econômica dos homens de sua Família. 

– Gestão do poder mafioso 

Por fim, as mulheres podem estar envolvidas também na gestão do poder da Máfia. Isso ocorre especialmente quando a figura masculina está ausente, ou porque está na prisão ou porque é um fugitivo. Sob o disfarce de uma mensageira, as mulheres carregam, em nome dos membros do clã, as chamadas “embaixadas” (mensagens escritas ou orais) da prisão para o lado de fora ou a partir de um lugar de fuga para outra localidade. 

Exemplos de mulheres da Máfia

• Giusy Vitale: primeira mulher capo-mafia da história, Giusy Vitale tem desempenhado papéis de certa relevância, por um breve período, na organização criminal da Cosa Nostra. Irmã do chefe Vito Vitale, tornou-se a regente da Família e depois se arrependeu; 
• Maria Grazia Genova: irmã de um mafioso de Delia, comuna na província de Caltanissetta. Conhecida como “Maragè” e já nos anos 60, Maria Grazia havia sido declarada “socialmente perigosa” e enviada à estada obrigatória; 
• Ninetta Bagarella: mulher de Salvatore Riina, optou por seguir seu marido, procurado por 24 anos e meio, e fez nascer em esconderijo todos os seus quatros filhos. Ela preferia aquela vida em vez de fazer uma escolha de ser “mãe”, protegendo seus filhos e talvez ajudá-los a crescer longe da Máfia. São todos nascidos quando o pai e a mãe ainda estavam em fuga, em uma clínica de Via Dante, a poucos passos da Praça Politeama, centro de Palermo. 
• Angela Russo e Maria Serraino:  chamada de “avó heroína”, Angela Russo foi presa em 1982, sob a acusação de ser a organizadora do grande tráfico de drogas. Outra figura de destaque é Maria Serraino, que por meio do consórcio ‘Ndrangheta, exercia controle militar na área circundante a Piazza Prealpi (na zona noroeste de Milão). Ambas as mulheres têm um sobrenome “respeitável” e compartilham seu próprio poder, acompanhadas por uma figura masculina, o filho; 
• Rosetta Cutolo: irmã mais velha dos camorristas Raffaele Cutolo e Pasquale Cutolo, Rosetta foi considerada a principal expoente da Nova Camorra Organizada, uma vez que, durante a longa detenção de seu irmão, dirigiu o feroz clã administrando a receita. Rosetta Cutolo nunca se casou e ainda vive em Ottaviano, Napoli. 

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